Espaço destinado a publicização e socialização de contrbuições teóricas acerca do debate crítico da educação. Serão inclusos aqui não apenas textos cientificos produzidos pelos ativistas do lê, como também textos de ataque produzidos por referências do debate educacional e outros textos que o conselho editorial do blog julgar pertinente, caso você tenha o desejo de indicar algum texto para nós, envie-nos!
TESES E DISSERTAÇÕES:
- Educação ambiental:
- Artigos:
Fórum estadual em defesa da escola Pública:
Material do luta educadora sobre o SEPE/RJ:
Material da Escola Nacoinal Florestan Fernandes:
http://amigosenff.org.br/site/node/59
http://www.adusp.org.br/revista/36/r36a02.pdf
Texto I:
As escolhas dos que pensam que têm opção
por Hellington Chianca
No brilhante filme A Escolha de Sofia, o pai da heroína judia, interpretada por nada menos que Meryl Streep, cujo aspecto físico confundir-se-ia “perfeitamente” com a pura “perfeição” caucasiana, tem uma triste semelhança com alguns quadros do funcionalismo público hoje no Rio de Janeiro.
Sofia após digitar seus escritos burocráticos, alheia à sua delicada postura colaborativa e autoflagelativa, sem que desconfiasse contribuía com o nazismo, idílica e confortavelmente sentada em sua cadeira que a isolava do terror que assolava de parte do mundo ocidental rico. Eram tempos de discursos criminalizantes, cinicamente acusadores de que tudo o que se fez com trabalho “honesto”, cooperativo e docilmente entregue ao labor em série, não passava de uma concessão dos fortes aos fracos. Eram, como hoje, tempos de crise financeira, que se encaixava no “colo fétido da ralé”, copiosamente capaz de gerar prole, mas incapaz de proteger sua cria.
Foi esta a realidade que sofria Sofia, sem saber que ela mesma barganhava suas digitais, automatizadas nos teclados de uma máquina de escrever, pela vida de seu pai. Ela era polonesa, cooperava, sem se dar por si, com aqueles que após fidedignos contratos de colaborações, tirariam a vida do seu querido pai. Aqueles poloneses não esperavam a traição justamente dos que lhes garantiam uma vantagem. Ou de alguma forma sabiam que tudo que estava por um fio para acontecer, desde o início, era questão de tempo? Que a vantagem era do tipo: “se ficar o bicho come, se correr o bicho come de barriga cheia, pois o bicho viciou em carne humana”.
A moça, após a morte impiedosa de seu querido pai, fugiu para viver numa realidade democrática, mas numa democracia de contingência, como fora a democracia liberal estadunidense do pós-guerra até a segunda “caça às bruxas”.
Hoje vivemos tempos de um tipo de colaboração, por parte de um dos estratos médios de um capitalismo submisso e subimperialista, disposto a tudo para adiar a digestão gulosa do papudo Estado totalitário, que se consolida a partir da nova aliança liberal-conservadora, que em muito se aproxima dos regimes de Hitler e Mussolini, os quais puderam se realizar tão-somente pela lógica cooperativa e até mesmo engajada, daqueles que ocupam cargos de capatazes.
A lembrança desse belíssimo filme (que merece ser apreciado) é apenas para demonstrar como funciona a pequena política, como relata um pastor luterano, tornado poeta, durante a ascensão do nazifascismo: "Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os socialdemocratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse" (Martin Niemöller).
Qualquer semelhança deste pai colaborador com diretores de escolas estaduais do Rio de Janeiro que, em troca de um aumento na gratificação e uma concessão para reproduzir seu reinadozinho de faz-de-conta – tentando se equilibrar numa gilete e achando que está no topo – chantageia, ameaça e usa da lei para praticar a mais pura delação (premiada). Este modelo foi reproduzido em vários momentos: no já citado estado nazi, pelo estalinismo, pelo liberalismo macartista e pelas ditaduras dos países do antigo chamado terceiro-mundo...
Aconteceu em outros momentos e parece estarem aumentando as incidências nas escolas públicas do Rio de Janeiro, onde ocorreu há pouco um caso típico de arbitrariedade e ultradireitismo por parte de uma diretora, num colégio estadual chamado Adino Xavier, quando, no dia 13 de junho uma professora indignada e consciente de seu protagonismo social e político na própria realidade e de sua classe, pôs-se a mobilizar-se e juntamente com outras pessoas, algumas prestando apoio, dentre elas bombeiros em mútua solidariedade, (alunos e profissionais da educação) correram as ruas de São Gonçalo, acompanhados por alunos que se sentiram na obrigação de lutar com esses trabalhadores. Como disse um dos participantes (que foi acusada): “A passeata aconteceu sem qualquer problema, por onde passávamos a população demonstrava apoio. Eu falei na passeata que houve aula sim, mas a aula era de cidadania só que os professores foram os alunos.”
Autoritariamente, a diretora desta escola inicia uma perseguição, chantageando a colega e tratando-a como irresponsável e criminosa. Transformando uma mobilização coletiva numa perseguição a “insufladores da desordem”. Qualquer semelhança com o governador – que sempre viveu das regalias de seu pai, como assessor, e por isso desde sempre viu o serviço público como cargo que se presta tão unicamente à pequena política – é pura reprodução da má política que ronda este país há alguns séculos.
A partir da inspiração a que nos remete à obra de arte, qualquer semelhança daqueles que só se dão conta de que a vida é feita de escolhas, como diria Sartre, condenados que somos à liberdade (queiramos ou não), quando nos deparamos com uma escolha de Sofia, quando de fato não há mais escolhas, dedicados que fomos anos a fio a apreciar sombras em cavernas ou notas em diários eletrônicos, como se o verdadeiro processo educativo fosse a ficção e esta fossem helicópteros sobrevoando as escolas e pequenos agentes do BOPE supervisionando as escolhas.
A verdadeira educação é a luta educadora.
Texto II:
EAGLETON, Terry. O CAMINHO PARA O PÓS-MODERNISMO. In: Depois da Teoria: um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2005.
Texto II:
Universalismo e Relativismo na Produção da Ciência e do Conhecimento
Wíria Alcântara¹
“Associada a esse aprisionamento das pedagogias contemporâneas à lógica da sociedade capitalista e seu correspondente idealismo, está uma idéia muito difundida, mas poucas vezes explicitada de forma clara. Trata-se da negação da perspectiva de totalidade, ou seja, da afirmação do princípio de que a realidade humana seria constituída de fragmentos que se unem não por relações determinadas pela essência da totalidade social, mas sim por acontecimentos casuais, fortuitos e inacessíveis ao conhecimento racional.” (Duarte, 2008, p.2)
A epígrafe que inicia essa exposição é parte de um estudo de Duarte sobre o caráter das pedagogias que estruturam os currículos escolares na época atual. Utilizo o pensamento do autor para iniciar um diálogo com Duayer e Eagleton sobre universalismo e relativismo na produção da ciência e do conhecimento.
Eagleton, em seu texto “O caminho para o pós-modernismo”, debate o processo de ressignificação do pensamento de parte dos intelectuais da esquerda contemporânea que optaram por abandonar o campo da política para concentrar suas análises no terreno da cultura.
O autor aponta que tal opção constitui /estrutura o discurso pós-moderno avesso a grandes narrativas e a idéia de universalidade. Eagleton nos convida a refletir sobre alguns aspectos relevantes que são determinantes para a apreensão do período histórico corrente.
O avanço do capitalismo monopolista para todas as partes do planeta; o papel do “Mercado” alçado como o grande regulador das relações sociais ou, dito de outra forma, universalizado para todas as esferas da vida social; a presença de uma “direita política” com projetos cada vez mais audaciosos e de outro lado uma “esquerda cultural” absorta em caracterizações de um mundo cada vez mais fragmentado, onde as diversidades ou identidades ocupam um papel preponderante, levando-os a concluir que qualquer mudança social que não esteja baseada em interesses de grupos sociais específicos está fadada ao fracasso.
Segundo o autor, a grande utopia que preconizava a transformação social radical foi associada à idéia de totalitarismo após a derrocada do leste europeu e frente ao anúncio do fim da história. O Marxismo, para alguns, já não se apresenta mais como uma ferramenta capaz de analisar a realidade dado o desaparecimento do cenário social do proletariado e conseqüente fim do antagonismo de classes na atual sociedade do conhecimento.
Eagleton pontua que esses intelectuais estão mergulhados num estado de espírito que o autor denomina de “pessimismo libertário”, derrotados ante um sistema que tudo engloba, imutável, só lhes resta como alternativa resistências pontuais. Paradoxalmente, num momento em que a direita “age globalmente” a esquerda pós-moderna “pensa localmente”.
O autor sublinha a urgência do resgate de análises mais ambiciosas pelos intelectuais da esquerda, uma vez que se faz mais necessário do que nunca a compreensão do atual estágio do capitalismo no qual estamos emersos.
Duayer irá analisar em seu texto “Relativismo, certeza e conformismo. Para uma crítica das filosofias da perenidade do capital” o relativismo presente nas teorias científicas de tradição positivista. O autor em sua exposição nos aponta que ainda que sustentada por todo um aparato teórico tais teorias estão calcadas na idéia de que as teorias científicas
Nada mais fazem do que expressar regularidades empíricas (entre fenômenos) e que, nessa medida, são socialmente úteis por sua capacidade preditiva. A sua função social se esgota em sua preditibilidade, pois quanto maior a sua capacidade preditiva, melhor uma teoria funciona como instrumento de manipulação (gerenciamento) dos fenômenos. (Duayer, p.4).
O autor nos adverte para a operação ideológica oculta em tal concepção de ciência e de discurso científico. O mundo, a partir de tal descrição, é o mundo das regularidades empíricas absorvidas pelo sujeito, que,
Frente a este mundo totalmente subjetivado, colapsado em suas próprias percepções, ou da comunidade de sujeitos constituindo a ciência, não pode senão se conformar a tais regularidades e, com o providencial auxílio instrumental da teoria, fazê-lo com eficácia. Em lugar da negação da ontologia, tem-se a geração de uma ontologia que, acrítica e inconscientemente, fundamenta uma determinada concepção de ciência e de explicação científica, e na qual os sujeitos não podem ter outra atitude a não ser de conformismo, ou seja, se ajustar ao existente. (Duayer, p.4).
Tal concepção relativista e reducionista do papel das teorias científicas está em total sintonia com a descrição da realidade presente no discurso dos pós-modernistas. Mas Duayer, parte do positivismo lógico, para criticar o relativismo contido nas correntes pós-positivistas que atualmente predominam na filosofia da ciência e que surgem à partir da crítica ao positivismo.
A discussão central do autor no texto é a afirmação de que tais correntes de pensamento estão estruturadas a partir da teoria criticada, Duayer trabalha com dois autores neste ponto – Kuhn e Lakatos.
Para Kuhn, salienta Duayer, o desenvolvimento das ciências estaria farto de descontinuidades e mudanças, toda a ciência, em qualquer época, estaria fundamentada em um paradigma, ou uma descrição específica da realidade. Entendida como um processo de descontinuidades e rupturas
A história de qualquer ciência é interpretada como uma sucessão de paradigmas, de descrições radicalmente distintas de mundo. O que nos leva a concluir, através do autor que as concepções de mundo, sistemas de crenças ou coordenadas ideológicas de qualquer sociedade em qualquer época, não importa se construídas com o concurso da ciência ou não, não são mais verdadeiras, objetivas do que os de qualquer outra sociedade, ou dela mesma em outra época. Trata-se de um relativismo no atacado que em geral, vem apresentado na seguinte fórmula: sempre que temos o mundo o temos segundo uma descrição, esquema conceitual etc, particular verdade que se converte na seguinte falácia: como só temos o mundo sob uma descrição, todas as concepções de mundo, esquemas conceituais, sistemas de crenças ou coordenadas ideológicas, sendo descrições, são igualmente válidas. (Duayer, p. 6).
Para Lakatos, de acordo com Duayer, “a ciência deve ser compreendida como consistindo de sistemas ou famílias de teorias, em lugar de teorias isoladas. A ciência, sob essa ótica, funciona como um sistema de teorias em permanente processo de aperfeiçoamento e transformação” (p.7).
Nesse sentido para Lakatos, cada ciência, no curso de seu desenvolvimento, é constituída de sistemas e tradições teóricas que disputam no seu interior, cada um com seu núcleo rígido, resultando em teorias cada vez mais complexas e abrangentes.
Para Duayer, essa
Lógica do desenvolvimento da ciência consiste em fornecer teorias com maior poder de explicação, entendido como capacidade preditiva sempre mais compreensiva. E, assim como Kuhn, a ontologia, sob a figura de núcleo rígido irrefutável, é admitida como elemento constitutivo da ciência, mas é igualmente irrelevante. (p.8).
Podemos então concluir, a partir da exposição de Duayer, que apesar do reconhecimento, pelas teorias pós-positivistas, de que toda ciência é uma interpretação de mundo, o que diferencia as abordagens de Kuhn e Lakatos da tradição positivista, por outro lado, no que concerne à função social das teorias científicas, mantém-se a idéia de ciência como ferramenta de manipulação prático-operatória dos domínios da realidade.
Duayer irá propor com seu texto, uma abordagem teórica alternativa às concepções apontadas como “relativistas” anteriormente: o realismo crítico e a desinterdição da ontologia.
Nesta perspectiva, localizada na última parte do seu texto, a ciência não se restringe a um mero papel instrumental, que objetiva, tão somente, administrar a realidade. Para o autor
A ciência não é serviçal do existente, com seus poderes e interesses, ela pode e deve integrar um sistema de crenças que , agregando os valores apreendidos em outras esferas da vida social, conceba o mundo social na sua historicidade efetiva e , com isso, seja elemento constitutivo e autoconsciente dessa historicidade. Que, portanto, não tome a história como eterna fatalidade, mas como autoconstrução consciente de homens e mulheres. (p.10).
O autor alerta para o risco de conceber a ciência meramente como um “kit instrumental” para sujeitos atuarem com certa eficiência em uma realidade social pronta. E sublinha a importância de Marx e de suas análises, como ferramenta imprescindível para uma compreensão crítica frente às argumentações que reduzem a realidade histórica a uma mera condição dada, portanto imutável.
Sob esse ponto de vista, criticado por Eagleton e por Duayer, os “sujeitos” - agora não mais históricos – estão condicionados a leituras de mundo relativistas, contingentes, fragmentadas e a um estado de imobilismo desolador diante de um sistema capitalista cada vez mais destrutivo, desumanizado e desumanizador.
Os dois autores sugerem a necessidade de análises mais grandiosas que possibilitem, de fato, a construção de alternativas coletivas e universais.
¹Wíria Alcântara é professora da rede estadual do RJ, ativista da LE e Mestranda da EPSJV/Fiocruz
BIBLIOGRAFIA
DUARTE, Newton. Pela Superação do Esfacelamento do Currículo Realizado pelas Pedagogias Relativistas, Trabalho apresentado no IV Colóquio Luso-Brasileiro Sobre Questões Curriculares, UFSC, 2008.
DUAYER, Mario. RELATIVISMO, CERTEZA E CONFORMISMO. PARA UMA CRÍTICA DAS FILOSOFIAS DA PERENIDADE DO CAPITAL.