terça-feira, 31 de janeiro de 2012

PLENÁRIA CONTRA O FECHAMENTO DE MILHARES DE ESCOLAS NO CAMPO E NA CIDADE

    DEBATE com: representantes do MST e do Terra Livre, com o representante do SEPE-RJ e com os professores Virgínia Fontes (Fiocruz), Roberto Leher (UFRJ) e Paulo Alentejano (UERJ-FFP). Dia 14 de março, às 18 h, no auditório 13 (1º andar) da UERJ maracanã.



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

“Fechamento de escolas é atentado às comunidades rurais”, afirma educador

NA CIDADE E NO CAMPO A POLÍTICA É A MESMA!

23 de janeiro de 2012


Por Mayrá Lima
Da Página do MST

Dados do censo escolar do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação (MEC), registram que 37.776 estabelecimentos de ensino rurais foram fechados nos últimos 10 anos em todo o país.

Para o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Salomão Hage, a garantia constitucional do direito à educação foi substituída pela lógica da relação custo-benefício pelo poder público.

“As políticas públicas educacionais, há certo tempo, são orientadas pela relação custo-benefício, na perspectiva neoliberal. Os gestores públicos hoje são desafiados a apresentar cada vez mais resultados com cada vez menos financiamento”, afirma.

Hage acredita que essa é uma mágica difícil de materializar. “Como você pode atender mais, oferecer melhor qualidade, contemplar a diversidade em um país em histórica situação de negação de direito se o orçamento e investimento cada vez diminuem mais?”, questiona.

Para ele, a associação de desenvolvimento ao meio urbano é usada pela justificar o fechamento das escolas no meio rural. “O próprio poder público olha para esse processo de territorialização das populações do campo e rotula de disperso. Se está disperso, no sentido de estarem distribuídas ao longo do território, e se pode reuni-las, gastará menos de acordo com suas referências de qualidade. Assim começa o desenvolvimento das políticas de nucleação que, às vezes, não são de nucleação, mas de polarização”, critica.

Essa política desrespeita o Estatuto de Criança e dos Adolescentes (ECA), que indica que os educandos devem ser atendidos nas suas próprias comunidades. “As diretrizes operacionais para a educação básica no campo, as diretrizes complementares para as escolas do campo fortalecem essa ideia da necessidade da escola atender as crianças e os adolescentes, prioritariamente, na sua comunidade”, sustenta.

Leia entrevista à Página do MST com Salomão Hage, que coordena o grupo que estuda educação no campo na Amazônia e integra a coordenação do Fórum Paraense de Educação no Campo.

Como você avalia o fechamento de escolas por estados e municípios?

As políticas públicas educacionais, há certo tempo, vêm sendo orientada pela relação custo-benefício, por conta da perspectiva neoliberal. Os gestores públicos hoje são desafiados a apresentar cada vez mais resultados com cada vez menos financiamento. Isto é uma mágica difícil de materializar. Como você pode atender mais, oferecer melhor qualidade, contemplar a diversidade em um país em histórica situação de negação de direito se o orçamento e investimento cada vez diminuem mais? O resultado tem sido a aplicação de políticas educacionais que caminham no contraponto das demandas que os movimentos sociais do campo e da cidade, dos educadores, das universidades colocam como referência para a educação.

Como essa relação custo-benefício afeta as escolas do meio rural?

O Estatuto de Criança e dos Adolescentes indica que as crianças devem ser atendidas nas suas próprias comunidades. As diretrizes operacionais para a educação básica no campo, as diretrizes complementares para as escolas do campo fortalecem essa ideia da  necessidade da escola atender as crianças e os adolescentes, prioritariamente, na sua comunidade.  Isso significa o acesso pela comunidade aos conhecimentos historicamente produzidos e, em grande parte, as escolas são o único equipamento público existente. Por isso,  representam a presença do Estado naquela localidade. Onde a escola está presente, há uma movimentação da infância, da adolescência. A escola é espaço de reunião, de atividades culturais da comunidade, de discussão coletiva.

Qual o impacto da falta de escolas para crianças do meio rural, que vão estudar nas cidades?

As comunidades rurais em geral, estão distribuídas territorialmente de acordo com as demandas e as necessidades que as populações têm de sobrevivência, de trabalho, de relação que se estabelece com a terra, com a água, elas estão presentes há séculos. Há um processo de desenvolvimento sustentável a partir do processo de territorialização desenvolvimento destas localidades. Na medida em que o gestor é demandado para o atendimento - e não é um atendimento qualquer -  gestão publica cria alternativas pautadas por essa questão de custo benefício, que vai em sentido contrário às demandas e necessidades do processo de territorialização desenvolvido.
O princípio também é inspirado por uma perspectiva 'urbanocêntrica'. Esse “desenvolvimento” é pautado na perspectiva do campo para a cidade, causando um processo de expulsão do campo na ideia de que, se eu concentro as pessoas posso atender mais, utilizando menos recursos. Uma coisa é atender 300 escolas distribuídas por todo o campo brasileiro, outra coisa é atender 20 escolas com as pessoas concentradas onde você não teria gastos com transporte, deslocamento e um conjunto de outras demandas para atender.

Como o Estado age nessa situação?

O próprio poder público olha para esse processo de territorialização das populações do campo e rotula de disperso. Se está disperso, no sentido de estarem distribuídas ao longo do território, e se pode reuní-las, gastará menos de acordo com suas referências de qualidade. Assim começa o desenvolvimento das políticas de nucleação que, às vezes, não é de nucleação, mas de polarização. Quando se aumenta o transporte escolar, você fecha escolas em comunidades mais distantes e reúne em comunidades rurais maiores ou traz para a sede do município. 

É essa perspectiva quantitativa da relação custo-benefício, a partir da perspectiva urbanocêntrica, que é aplicada pela gestão pública. Há ainda uma aceitação da sociedade, porque conseguem demonstrar que, por meio da oferta do transporte escolar, atendem toda a demanda e em todos os níveis. Isso acontece porque há uma  compreensão de que a cidade é o lugar do desenvolvimento, que consolida como natural esse movimento das pessoas se deslocarem do campo para a cidade.

O fechamento das escolas do campo pelo poder público segue esses princípios?

O fechamento das escolas é um atentado às comunidades rurais com o discurso de melhoria, ampliação e aumento da escolaridade. Só que não há lugar para todo mundo viver na cidade, no lado urbano. A população que vive nas cidades não vive essas promessas do desenvolvimento que a perspectiva urbanocêntrica apresenta. Quem vive bem na cidade? Quem vive no centro e quem tem um emprego significativo? A grande maioria vive muito mal na cidade, vive pior que as pessoas que vivem no campo.
Nos últimos anos, foram fechadas mais de 30 mil escolas. Se a gente não abrir o olho. esse número amplia. Essa é uma luta que precisa unir todos os setores. Estamos na luta pelo Plano Nacional de Educação. O que nos une são as referências de qualidade da educação, a necessidade de um financiamento suficiente, a valorização e a formação dos profissionais de educação. Há uma luta pelos 10% do Produto |Interno Bruto para a educação cobra uma condição para desenvolver as escolas do campo e da cidade.
No entanto, há demandas especificas do campo: apenas 30% das crianças são atendidas em nível de educação infantil no campo, segundo números do MEC. Com a emenda constitucional 59, consequimos que até 2016 o ensino será obrigatório dos quatro aos 17 anos. Como vamos atender as crianças menores, cujas mães trabalham no campo? Se a lógica é investir em transporte e deslocamento, como vamos fazer com as crianças de zero a 5 anos?

O discurso de que estão dispersas é uma forma pejorativa de tratar a territorialização das populações do campo, que se organizam de acordo com suas necessidades e com as relações que estabelecem com a floresta, com a terra, com a água. Não se pode simplesmente olhar para isso e dizer que é disperso.

Qual a sua avaliação das políticas públicas para a educação do campo, em nível nacional, nos últimos 10 anos?

Desde o final da década de 90, mais especificamente com a realização das conferências nacionais de educação do campo, com a criação e o fortalecimento de uma articulação nacional, que combina a participação dos movimentos sociais, universidades e setores do poder público voltadas para a questão da agricultura familiar e da Reforma Agrária, a gente tem dado passos significativos no sentido de pensar o campo brasileiro a partir da sua diversidade, demandas e necessidades, dentro da disputa política por outro projeto de sociedade.

O que avançou nesse processo?

O fortalecimento desse movimento foi capaz de fazer com que o MEC pudesse criar dentro da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e Inclusão (Secadi)  uma coordenação de educação no campo.

A partir dela, foram criados alguns programas - como o Projovem Campo, o Saberes da Terra, o Procampo licenciatura plena e mesmo o Escola Ativa (que não teve uma discussão mais sistemática com o conjunto dos movimentos) - que começaram a provocar um certo movimento dentro da formação do educador, no âmbito da formação da prática educativa em todos os níveis de faixa etária. 

Além desses, teve avanços no Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que foi criado da discussão entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra.

Há um protagonismo desse movimento que se desenvolveu de modo a mostrar que os sujeitos do campo também são sujeitos de direito e as políticas publicas precisam atender as suas necessidades.

Vivemos um momento de fortalecimento dessa consciência da necessidade do atendimento e da necessidade de demarcar as especificidades dos sujeitos do campo. Com isso, consolida-se a ideia de que o campo tem como contribuir com esse projeto de desenvolvimento. E que sem o campo o desenvolvimento pode não resultar em uma proposta significativa.

Qual a reação à maior participação dos movimentos sociais?

Esse processo de protagonismo tem despertado um desconforto daqueles que tem um projeto diferenciado para o campo e para a sociedade brasileira. Enquanto os movimentos fortalecem os modos de produção familiar no campo e as lutas camponesas pela Reforma Agrária, o agronegócio também está em franca expansão com um significativo financiamento, que entra em contradição com esse avanço que o movimento social vem desenvolvendo.

Insatisfação essa que, historicamente, foi construída na representação social que os povos do campo seriam atrasados e a agricultura familiar um projeto de fome, que não tem como contribuir para o desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, o projeto do modo de produção familiar se apresenta como uma alternativa viável para o desenvolvimento com base na sustentabilidade, na economia solidária e nos princípios de educação crítica e transformadora. Essas disputas de hegemonias começam a fluir e os ataques vêm da mídia, das grandes corporações e, essencialmente, de instituições que, embora públicas, são direcionadas pela perspectiva privatista, patrimonialista.

Quanto mais avança, maior a reação desses setores?

É isso que a gente tem vivido de forma mais intensa nos governos Lula e Dilma.  No governo Lula, conseguimos avançar mais no diálogo entre os movimentos sociais, as universidades e o setor público, no sentido de apresentar editais, os programas, de formular legislações que pudessem reconhecer esse outro projeto, essa outra intencionalidade.

Projetos promovidos durante o governo Lula foram se ampliando, até que, com as reações, começaram a sofrer e ter a continuidade comprometida. Embora Pronera estivesse assegurado com o decreto, virou política pública.

Outros programas, com o próprio Procampo, estão ameaçados de serem substituídos pelo Pronacampo. Esse novo programa está sendo construído sem o diálogo com os movimentos sociais e com as universidades.

E no que a educação contribui para essa disputa de modelo de sociedade?

A educação conseguiu estimular a relação de movimentos sociais, universidades, setores do poder público mais alinhados com esse outro projeto de sociedade e de educação, na relação direta entre educação e trabalho, educação e desenvolvimento, na formulação de outro projeto de sociedade.

Na medida em que isso se consolida e se apresenta como uma proposta viável, que atende às necessidades da maioria, os blocos hegemônicos - que se orientam por outra perspectiva, por uma sociedade excludente, elitista e discriminatória - reagem em todos os sentidos para deslegitimar esse projeto.

Esses resultados são suficientes?

Essa situação de negação de direitos, não só para o campo, mas também para a população que mora nas periferias das grandes cidades, para as classes populares da sociedade brasileira é histórico. Tem pelo menos cinco séculos de existência. Não seriam 10, 12 ou 20 anos de protagonismo e tentativa de redimensionar o atendimento educacional que seriam suficientes para superar os níveis de pobreza da sociedade, que em sua grande maioria está no campo.

A precarização do campo data desde o inicio do Brasil enquanto Nação, mas esse  protagonismo tem se fortalecido com essa nova articulação. Mas há reação com a criminalização dos movimentos sociais, que são acusados de receber dinheiro dos órgãos públicos para fortalecer suas organizações.

E no que essa falta de diálogo e participação dos movimentos sociais na construção de novas políticas para a educação pode significar?

A falta de dialogo pode significar a não continuidade dos programas desenvolvidos como resultado dessa articulação entre os movimentos sociais e o poder público. Poderá significar um afastamento maior do MEC, da Secadi e da própria coordenação de educação no campo. Na medida em que se constrói novos programas e novas diretrizes sem a interlocução com os movimentos sociais e as universidades, esse afastamento tende a se fortalecer. Pode se configurar num programa que não atenda às necessidades e demandas.

Fonte: MST

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pinheirinho viverá!

Por Marco Lamarão
 
É sempre a mesma lógica. Desde muito, no Brasil, a questão social é tratada como caso de polícia, embora esta frase só tenha sido dita no quartel final da década de 1920, esta lógica perdura desde muito antes. Contudo, ela tem muitas sutilezas e a mais evidente é o fato de que quanto mais urgente e sério for o problema a ser enfrentado e radical a solução apresentada, maior é a força com a qual o estado reage. Esta lógica de “dar exemplo pelo medo” leva a uma falsa conclusão: a de que intimidados, nos calaremos. Ledo engano. Enquanto houver injustiça, haverá quem se indigne. O ser humano, embora não tenha praticado costumeiramente e com correção, não desaprendeu a amar.
Importante notar que o que aconteceu em Pinheirinho- e no momento que escrevo o faço no calor dos acontecimentos, onde as informações permanecem truncadas e imprecisas, pois a política de desinformação faz parte da estratégia militar: negligenciam dados, somem pessoas, roubam registros feitos pelos celulares dos moradores e só permitem a entrada de uma única emissora (qual?)- estes tristes acontecimentos, relembro, não são um fato isolado na história brasileira. Fazem parte de um vasto legado de injustiça, truculência, imoralidade rotineiros no Brasil, que buscam aniquilar o dado animador desta crônica: (h)a luta. Lembremos de Eldorados dos Carajás e o massacre de Corumbiara, veremos traços interessantes de mórbida semelhança: primeiro a covardia com que são tratados os trabalhadores que lutam. Contra pedras, granadas; contra paus, pistolas; contra a esperança o exagero; contra o desespero, a psicopatia. Contra trabalhadores, idoso e crianças, um exército de 2000 mil homens.  Outra semelhança: os compromissos firmados não foram cumpridos, tanto em Pinheirinho como em Corumbiara e em Carajás os governos não mantiveram a sua palavra. E esta é uma lição que devemos ter clara, que qualquer acordo tênue que o movimento social faz com o estado, não pode representar um afrouxamento da nossa vigilância, principalmente nestes casos, onde o uso da força é iminente. Outra característica é a clareza como o “desfazer dos vestígios” é uma preocupação que antecede a ação militar. Em Corumbiara, até hoje, sobreviventes do massacre são perseguidos e ameaçados. Em Pinheirinho, a polícia andava com luvas a fim de evitar vestígio de pólvora do crime que cometiam. E embora as imagens desmentissem, as autoridades insistem em dizer que não usaram armas letais. Ademais o movimento social e a imprensa, mesmo a burguesa, não foram autorizadas a se aproximarem do local, que permanece sitiado, dando tempo a força policial para desfazer as “cenas do crime”.
Mas é necessário falar do papel que a grande imprensa tem em todo este processo. Desde o princípio quando nos bombardeia de informação que associa claramente a pobreza à criminalidade: a matéria transmitida no Fantástico do dia do massacre faz confundir Pinheirinho com uma tão somente grande Crackolândia. Criminalizam a pobreza e, com isso, preparam a opinião pública para a legitimidade de toda e qualquer barbaridade. Omitem informações e selecionam o que irão dizer, usam um vocabulário próprio onde associa a luta com baderna e a reivindicações por direitos com a desordem. Desta maneira, a opinião geral das pessoas acaba dando mais valor a Yorkshires ou a Luísas e sua viagens ao Canadá do que as profundas injustiças lá acometidas. Contudo, também claro pra todos nós, é o papel que as redes sociais - mesmo em toda sua limitação e nunca prescindindo da pressão politica das ruas, das praças, das barricadas e dos molotovs da vida – pode cumprir ao fazer circular informações. Alguns críticos desta tese dizem que, nas redes sociais, não se pode averiguar a fidedignidade da informação. Nada mais certo do que isso. Só importante lembrar que esta característica não é exclusiva das mídias digitais. Aproveito e mando minha lembrança a estes críticos e outra, em especial, para a revista Veja. A ironia também é crítica.
Mas tal e qual o Eldorado dos Carajás e Corumbiara ficaram marcadas como um importante símbolo da luta camponesa no Brasil e proveu o MST de mártires reais, assim será com Pinheirinho. O MST não parou. O MTST também não vai parar. Ao Contrário, deu ao Brasil, hoje, um grande exemplo com este incomensurável ato de coragem. Assim, todas as coisas ficaram sem tamanho. A tristeza, a indignação e a revolta. Mas também a esperança. As atitudes e o exemplo se tornam imensos; as palavras, pequeníssimas. Desta forma, texto qualquer dará conta de preencher de pleno significado estes acontecimentos. As palavras- elas, sempre elas- se tornam inúteis num momento como este: pois não conseguem cumprir com o simples desígnio da sua existência.
Termino este registro, portanto, dando-lhe a única utilidade que ele poderia ter: a de ser uma homenagem.
 
Camponeses dos Eldorado do Carajás, presente! Camponeses de Corumbiara, presente! Trabalhadores da CSN - Volta Redonda, presente! Meninos de rua da Candelária, presente! Presidiários do Carandiru, presente! Moradores de Vigário Geral, presente! Moradores do Complexo do Alemão, presente! Moradores de Nova Iguaçu, presente!
 
Pinheirinho vive.