segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pinheirinho viverá!

Por Marco Lamarão
 
É sempre a mesma lógica. Desde muito, no Brasil, a questão social é tratada como caso de polícia, embora esta frase só tenha sido dita no quartel final da década de 1920, esta lógica perdura desde muito antes. Contudo, ela tem muitas sutilezas e a mais evidente é o fato de que quanto mais urgente e sério for o problema a ser enfrentado e radical a solução apresentada, maior é a força com a qual o estado reage. Esta lógica de “dar exemplo pelo medo” leva a uma falsa conclusão: a de que intimidados, nos calaremos. Ledo engano. Enquanto houver injustiça, haverá quem se indigne. O ser humano, embora não tenha praticado costumeiramente e com correção, não desaprendeu a amar.
Importante notar que o que aconteceu em Pinheirinho- e no momento que escrevo o faço no calor dos acontecimentos, onde as informações permanecem truncadas e imprecisas, pois a política de desinformação faz parte da estratégia militar: negligenciam dados, somem pessoas, roubam registros feitos pelos celulares dos moradores e só permitem a entrada de uma única emissora (qual?)- estes tristes acontecimentos, relembro, não são um fato isolado na história brasileira. Fazem parte de um vasto legado de injustiça, truculência, imoralidade rotineiros no Brasil, que buscam aniquilar o dado animador desta crônica: (h)a luta. Lembremos de Eldorados dos Carajás e o massacre de Corumbiara, veremos traços interessantes de mórbida semelhança: primeiro a covardia com que são tratados os trabalhadores que lutam. Contra pedras, granadas; contra paus, pistolas; contra a esperança o exagero; contra o desespero, a psicopatia. Contra trabalhadores, idoso e crianças, um exército de 2000 mil homens.  Outra semelhança: os compromissos firmados não foram cumpridos, tanto em Pinheirinho como em Corumbiara e em Carajás os governos não mantiveram a sua palavra. E esta é uma lição que devemos ter clara, que qualquer acordo tênue que o movimento social faz com o estado, não pode representar um afrouxamento da nossa vigilância, principalmente nestes casos, onde o uso da força é iminente. Outra característica é a clareza como o “desfazer dos vestígios” é uma preocupação que antecede a ação militar. Em Corumbiara, até hoje, sobreviventes do massacre são perseguidos e ameaçados. Em Pinheirinho, a polícia andava com luvas a fim de evitar vestígio de pólvora do crime que cometiam. E embora as imagens desmentissem, as autoridades insistem em dizer que não usaram armas letais. Ademais o movimento social e a imprensa, mesmo a burguesa, não foram autorizadas a se aproximarem do local, que permanece sitiado, dando tempo a força policial para desfazer as “cenas do crime”.
Mas é necessário falar do papel que a grande imprensa tem em todo este processo. Desde o princípio quando nos bombardeia de informação que associa claramente a pobreza à criminalidade: a matéria transmitida no Fantástico do dia do massacre faz confundir Pinheirinho com uma tão somente grande Crackolândia. Criminalizam a pobreza e, com isso, preparam a opinião pública para a legitimidade de toda e qualquer barbaridade. Omitem informações e selecionam o que irão dizer, usam um vocabulário próprio onde associa a luta com baderna e a reivindicações por direitos com a desordem. Desta maneira, a opinião geral das pessoas acaba dando mais valor a Yorkshires ou a Luísas e sua viagens ao Canadá do que as profundas injustiças lá acometidas. Contudo, também claro pra todos nós, é o papel que as redes sociais - mesmo em toda sua limitação e nunca prescindindo da pressão politica das ruas, das praças, das barricadas e dos molotovs da vida – pode cumprir ao fazer circular informações. Alguns críticos desta tese dizem que, nas redes sociais, não se pode averiguar a fidedignidade da informação. Nada mais certo do que isso. Só importante lembrar que esta característica não é exclusiva das mídias digitais. Aproveito e mando minha lembrança a estes críticos e outra, em especial, para a revista Veja. A ironia também é crítica.
Mas tal e qual o Eldorado dos Carajás e Corumbiara ficaram marcadas como um importante símbolo da luta camponesa no Brasil e proveu o MST de mártires reais, assim será com Pinheirinho. O MST não parou. O MTST também não vai parar. Ao Contrário, deu ao Brasil, hoje, um grande exemplo com este incomensurável ato de coragem. Assim, todas as coisas ficaram sem tamanho. A tristeza, a indignação e a revolta. Mas também a esperança. As atitudes e o exemplo se tornam imensos; as palavras, pequeníssimas. Desta forma, texto qualquer dará conta de preencher de pleno significado estes acontecimentos. As palavras- elas, sempre elas- se tornam inúteis num momento como este: pois não conseguem cumprir com o simples desígnio da sua existência.
Termino este registro, portanto, dando-lhe a única utilidade que ele poderia ter: a de ser uma homenagem.
 
Camponeses dos Eldorado do Carajás, presente! Camponeses de Corumbiara, presente! Trabalhadores da CSN - Volta Redonda, presente! Meninos de rua da Candelária, presente! Presidiários do Carandiru, presente! Moradores de Vigário Geral, presente! Moradores do Complexo do Alemão, presente! Moradores de Nova Iguaçu, presente!
 
Pinheirinho vive.

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