Por Isabel Keppler
Na posse do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, fomos surpreendidos com a escolha do lema “Brasil, Pátria Educadora”. Não deu nem tempo de guardar ilusões que, dessa vez, algo seria feito para superar o fato do Brasil estar em 8º no ranking de países com maior número de adultos analfabetos. Mal se apagaram as luzes do plenário e o governo anunciou um pacote de austeridade com corte de verbas no setor da educação.
O ano de 2015 se encerrou com um corte total de R$ 10,5 bilhões. Os ataques continuaram e, no fim de março deste ano, foi anunciado mais um corte de R$ 4,3 bilhões.
As gestões estaduais e municipais não fogem dessa lógica, com corte de verbas que resultam diretamente em fechamentos de escolas e creches.
Essa precarização da educação tem consequências na vida de milhares de educadoras e educadores no Brasil. Para começar, a insuficiência de escolas reflete em uma superlotação das salas de aula. Em São Paulo, no início deste ano, o governo anunciou a permissão para aumentar o número de alunos nas salas de ensino médio de 40 para 44. No Rio de Janeiro são mais de 40 alunos por classe, além das salas não serem climatizadas e faltar materiais básicos como papel e produtos de limpeza.
Os resultados da pesquisa realizada pelo Ministério da Educação (MEC) a partir do Censo Escolar de 2013 trazem dados alarmantes, em especial no caso de professores do ensino médio. A maior parte (36,1%) atende de 150 a 300 alunos, enquanto 24,5% atendem mais de 400. Em relação a jornada, são 47,3% que trabalham em dois turnos e 23,2% em três turnos. São 7,5% de docentes, ainda no ensino médio, que têm mais de 400 alunos e atuam nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas.
As consequências na saúde
Essa realidade compromete o cumprimento da Lei nº 11.738/2008 (Lei do Piso), que assegura ao professor 1/3 da carga horária para atividades extraclasse. Dobrar ou até triplicar o turno em sala de aula significa dobrar ou triplicar planejamento de aula e correção de prova, por exemplo, que acabam sendo executadas fora da jornada de trabalho e sem remuneração, comprometendo as horas de descanso e lazer, fundamentais para recompor o corpo e a mente. Soma-se a esses elementos o tempo de deslocamento, que se agrava em situações em que se trabalha em mais de uma escola.
Essa intensificação da jornada de trabalho está diretamente relacionada com a má remuneração da categoria e quadro insuficiente de docentes. Com isso, aumentam os casos de doenças e acidentes de trabalho. Horas em pé, uso intensivo das cordas vocais, exposição ao pó de giz, são alguns problemas que se agravam quando a jornada de trabalho é muito extensa. A falta de investimento também traz impactos nas condições ambientais, tais como ruído, ventilação, iluminação etc. que agravam a saúde dos professores.
Doenças mentais
Mas, sem dúvida, o grande tema que assombra a vida de milhares de professores é a epidemia de doenças mentais. Na publicação da APEOESP (sindicato dos professores estaduais de São Paulo), “Saúde do Educador”, relata-se uma pesquisa organizada pela CNTE já em 1999, com professores de todos os Estados. Essa pesquisa constatou que 48% apresentava algum sintoma referente à síndrome de Burnout, como ficou conhecido o distúrbio de imenso esgotamento psíquico e físico.
No dia 24 de março deste ano, o Estadão publicou dados referentes a São Paulo que apontam um crescimento de afastamentos no trabalho. São cerca de 370 licenças médicas concedidas por dia, sendo 27,8% relacionadas a algum transtorno mental, em que transtornos de ansiedade e depressão são bastante recorrentes.
Apesar dos dados estarem cada vez mais alarmantes, a realidade é muito pior, já que muitos casos não são notificados. Uma pesquisa realizada pelo DIEESE no Rio Grande do Sul, em instituições privadas de ensino, constatou-se que 85% dos professores entrevistados consideram comum trabalhar com dor.
O assédio moral é denunciado constantemente e seus impactos sem dúvida estão inseridos nessas tristes estatísticas.
Constata-se, assim, a falácia do lema “Brasil, Pátria Educadora”. As medidas de ajuste fiscal implantadas pelos governos das esferas federal, estadual e municipal, tanto as já realizadas quanto as pretendidas, demonstram que não se pode confiar que, naturalmente, esses problemas irão se resolver. Em 2015, o governo federal estimou gastar 47% com a dívida pública, um valor doze vezes maior que para a educação. Isso explicita quem é poupado da crise econômica (banqueiros e empresários) e para quem se empurra o ônus.
Os sindicatos tem que assumir essa pauta
Os trabalhadores da educação se destacam na luta sindical como um setor mais oxigenado, impactado por movimentos como as Jornadas de Junho de 2013. O caso mais recente é forte greve dos profissionais da educação do Rio de Janeiro. Em síntese, o que se observa é uma categoria que possui uma base cada vez maior, com disposição para lutar, radicalizando nas ruas, mas suas direções não acompanham. Boa parte ainda tem seus sindicatos reféns de uma direção burocratizada e atrelada aos governos.
Como consequência disso, apesar do fôlego para longas greves e grandes manifestações de rua, um maior envolvimento de pais e estudantes, as greves acabam por muitas vezes encerradas pelo cansaço e com poucas vitórias.
Ano passado, ainda que estivessem mais de dez estados com professores em greve, a CNTE não construiu uma greve geral nacional da educação. Em São Paulo, a última greve, em 2015 durou 92 dias e encerrou com 0% de reajuste. No Rio de Janeiro, houve um protagonismo significativo da base, que visitou escolas, produziu materiais, participou das negociações e conduziu o comando de greve. No entanto, sobressaiu o mais-do-mesmo do movimento sindical na disputa pelo aparato, o que fez com que a maior parte da direção do SEPE (sindicato dos educadores da rede estadual) se distanciasse do contato com as reais reivindicações dos educadores e da realidade nas escolas.
No Paraná, os professores realizaram assembleias em estádio, com milhares de trabalhadores e participaram de atos radicalizados, que sofreram brutal repressão do governo Beto Richa (PSDB). No entanto, o sindicato, dirigido há décadas pela CUT, recuou e encerrou a greve mesmo sem vitória.
Nova geração impulsionando a luta
É muito possível que as condições insustentáveis de precarização no cotidiano da escola tenham se tornado um elemento importante para convencer milhares de trabalhadores a irem às ruas, desafiando governos e atropelando direções sindicais, por mais direitos. Outro aspecto é um perfil da própria categoria, que possui uma camada de jovens recém-formados, já atuantes outrora no movimento estudantil e que entram com disposição para trazer um novo fôlego para a luta sindical.
No entanto, essa oxigenação ainda é esporádica e conjuntural, com rápidas explosões de lutas locais, com dificuldade de articular-se nacionalmente e muitas vezes interrompidas diante da repressão brutal de governo e das desanimadoras assembleias promovidas pelos sindicatos, em que a disputa de aparato entre grupos torna-se mais importante do que a luta da categoria.
Barrar a tendência epidêmica das doenças e acidentes relacionados ao trabalho é urgente. É preciso uma melhoria no plano de carreira, com aumento de salário e redução da jornada de trabalho. No entanto, para alcançar e envolver mais professores para a luta sindical organizada, as direções sindicais precisam avançar e inovar para além das campanhas salariais anuais. É preciso assumir a pauta da Saúde do Trabalhador, que trata de forma sensível aos problemas cotidianos enfrentados pelos trabalhadores.
Organizar pela base
É necessário mobilizar a base, criando comitês em cada sede e subsede dos sindicatos e associações, em cada escola. Promover debates e seminários sobre o tema, organizar as reivindicações e denunciar os assédios morais.
É preciso, também, mobilizar, na medida do possível, os próprios trabalhadores afastados, transformando a dor em luta, em mobilização por melhores condições para que outros não cheguem a essa situação. Aonde o sindicato é dirigido por setores burocratizados e comprometidos com gestores, as oposições sindicais devem assumir essa tarefa.
A história nos ensina: nem governos, nem patrões – a saída para uma vida digna é coletiva e deve vir do protagonismo dos trabalhadores.
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