Wíria Alcântara
Os educadores brasileiros têm diante de si um grande desafio: reconstituir um novo polo que unifique e organize a classe, na perspectiva de construção de estratégia e táticas capazes de confrontar o processo em curso, de reestruturação da educação escolar a serviço da formação de indivíduos ajustados ao padrão de sociabilidade neoliberal da Terceira Via.
É certo que a instituição escolar ressignifica sistematicamente sua função de acordo com os interesses e necessidades da classe dirigente. Atualmente tem sido chamada a garantir o padrão de desenvolvimento econômico, social e cultural através da “coesão social”, reproduzindo “novos valores” baseados na colaboração de classes.
Em um contexto de crise e instabilidade social, com o avanço da miséria, desemprego e falta de perspectivas, particularmente nos países periféricos, a educação é apontada como terreno estratégico de controle e construção de consenso por organismos internacionais, tais como o Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento. Isso fica explícito em seus documentos, de acordo com o BID, a educação é fundamental para os desenvolvimentos econômico, social e cultural, para não mencionarmos a estabilidade política, a identidade nacional e a coesão social. (Wolf, 1998, p.3)
Já o Banco Mundial assume o papel de grande articulador nesse processo de construção da nova identidade política que irá garantir o capitalismo contemporâneo, incentivando através de seus documentos a padronização de currículos e conteúdos a serem ensinados e metodologias de avaliações em massa, propondo: encorajar os países em desenvolvimento para estabelecer padrões sobre o quê os estudantes deveriam saber (...), desenvolver um bom sistema de avaliação nacional. (Banco Mundial, 1999)
Aqui no Brasil com o discurso de enfrentar o problema da qualidade do ensino, as políticas públicas têm servido para articular e legitimar novos valores e condutas incorporando o viés da gestão empresarial e abrindo o espaço escolar aos Institutos e Fundações de natureza privada. Por conta disso observamos nas principais redes de ensino a padronização dos currículos, conteúdos e avaliações e a invasão de “pacotes” e projetos concebidos por empresas. Não por acaso a luta pela autonomia pedagógica segue sendo reafirmada na pauta reivindicatória do movimento docente, principal entrave para a consolidação desse modelo, em distintos estados e municípios do país.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) é a nosso ver o principal signatário desta nova concepção. Apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) em abril de 2007, o PDE incorpora toda a agenda do movimento “Compromisso Todos Pela Educação”, que é um movimento concebido pelo empresariado conclamando a participação de diversos atores sociais na busca de soluções compartilhadas para diversos problemas que interferem na qualidade do ensino.
Lançando mão de parcerias com grupos empresariais como o Grupo Pão de Açúcar, Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Instituto Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Instituto Itaú Social, Instituto Ayrton Senna, entre outros, o governo não apenas partilha a sua responsabilidade enquanto provedor de um direito essencial, assim como possibilita a difusão do ideário deste setor, uma vez que o empresariado passa a exercer um papel não só de colaborador, mas de organizador e formulador de novas práticas pedagógicas.
A partir do PDE, o governo também institucionaliza o modelo de gestão empresarial para a educação pública a nível nacional, intensificando os mecanismos de controle do trabalho docente e apostando na sua desarticulação enquanto classe.
Em suas mais de cinquenta ações o plano se apoia fundamentalmente em pressupostos como produtividade, mérito e desempenho para se alcançar a qualidade (resultado) esperada e como critério de ascensão na carreira. A Sociedade Civil (leia-se empresariado) que irá garantir a “mobilização” no processo de consecução do plano: as parcerias, a organização de comitês locais, a colaboração em caráter voluntário, tudo expresso nas inúmeras diretrizes do decreto.
Na esteira dessas mudanças a tarefa docente é esvaziada de seu sentido, o professor vai perdendo a sua identidade de classe e protagonismo pedagógico. Ele precisa ser antes de tudo um “colaborador” engajado no trabalho de equipe, fundamental para garantir o alcance de metas e índices. As mobilizações reivindicativas devem ser gradativamente substituídas por mobilizações colaboracionistas no interior das escolas e as nossas formas históricas de organização coletiva passam a ser consideradas anacrônicas por uma parcela significativa da categoria. Sob a égide do voluntariado e da Responsabilidade Social os dominantes seguem dominando e o antagonismo de classes é disfarçado. Mas as lutas em defesa da educação pública seguem eclodindo no Brasil e no mundo, por aqui precisamos unificar a resistência em torno de uma agenda comum que acumule forças e coloque os distintos atores, entidades, sindicatos, associações docentes e discentes em marcha contra o empresariamento da educação pública e em defesa de seus profissionais. A construção de um grande Encontro Nacional de Educadores e Estudantes pode ser esse novo ponto de partida.
*Artigo publicado na Revista Educação de Classe, nº 1, maio de 2013. Publicação do Sepe núcleo Petrópolis (www.sepetropolis.blogspot.com.br)
Wíria Alcântara (Professora da Rede Estadual/Graduada em História e Mestre em Educação pela ESPJV – Fiocruz/Membro da Direção Colegiada do SEPE/RJ)
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