Regis Argüelles da Costa
Dois dos principais argumentos reproduzidos com o intuito de justificar a não adesão ao movimento grevista dos trabalhadores da educação são: (1) a descrença da greve enquanto instrumento de luta, e (2) o prejuízo que a greve causa no direito à escola de alunos e pais. Em geral, tais justificativas aparecem associadas ao desejo de aparecimento de um “novo” tipo de luta, capaz de superar o impacto e prejuízos causados pela greve. O objetivo desse texto é dialogar com esses argumentos, reafirmando a ação grevista como central no atual momento histórico da educação pública brasileira.
Em primeiro lugar, nunca é demais ressaltar que a greve é um instrumento internacionalmente reconhecido como legítimo, cujo direito é garantido na Constituição de 1988, que no seu artigo 9º define que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Além disso, temos vivenciado diversos exemplos que comprovam que somente a deflagração da greve consegue alavancar conquistas reais para os trabalhadores da educação. Podemos citar, nesse sentido, a greve dos profissionais de educação do município de Duque de Caxias, deflagrada em maio último, que arrancou a reposição da inflação e a incorporação de 25% das gratificações ao salário, diante de um quadro inicial de reajuste zero oferecido pelo governo. Esta paralisação comprometeu 10 dias letivos e contou com a adesão acima de 90%. Da mesma forma, a heróica greve dos trabalhadores da educação do Estado do Rio de Janeiro, que durou exatos 67 dias, conquistando o reajuste de 5%, o descongelamento do Plano de Carreira, e antecipação da incorporação do Nova Escola. Durante essa greve foram organizados diversos atos no centro da cidade do Rio de Janeiro, que chamaram a atenção da população e da grande mídia para a situação extrema que vive hoje a educação pública, além de a categoria manter-se acampada em frente à SEEDUC por um mês.
O movimento de greves na educação é nacional, tendo atingido todas as esferas e níveis da rede pública de ensino. Recentemente, temos notícias de greves nas redes estaduais de Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Norte; na FAETEC; no Colégio Pedro II e CEFETs; dos funcionários da UFRJ e UFF. Está claro, portanto, que os profissionais da educação resolveram dar um basta aos baixos salários; às asfixiantes condições de trabalho; ao descaso histórico de governos que, cinicamente, sempre prometem, a cada ano eleitoral, dar a atenção devida à combalida educação pública.
Não devemos pensar, todavia, que o conjunto dos trabalhadores da educação pública tem por objetivo central cruzar os braços. Ao contrário, aqueles que se definem como trabalhadores da educação devem ter por horizonte trabalhar na função que alcançaram através de concurso público. Ao negar, durante uma greve, o seu próprio meio de subsistência, o trabalhador encontra-se no seu último recurso para ser ouvido pelo governo e sociedade, a fim de que seu trabalho diário seja encarado de forma digna. Ou seja, a luta por melhores salários e condições de trabalho não começa com a greve. Esta é, de fato, o ponto nevrálgico onde se acumulam o descaso do poder público, a recusa à negociação e a indignação dos profissionais de educação. Somos levados à greve, cujo fim último é o retorno ao trabalho educativo nas escolas em condições decentes para que se possa exercê-lo efetivamente.
A condição de último e radical recurso no contexto de lutas da educação faz com que os governos, obviamente, temam as greves e se armem contra elas. Nenhum outro instrumento de luta mostra-se mais danoso à imagem do poder constituído, já que a greve tira o governo de sua posição de conforto, ao possibilitar que trabalhadores apresentem ao conjunto da população a triste realidade de inúmeras escolas públicas. Nós, profissionais da educação, devemos ter consciência que temos ampla vantagem em relação ao governo quando somos impelidos a dialogar com o conjunto da sociedade sobre os problemas da educação. Apesar de contar com enormes recursos, e efetivamente utilizá-los para neutralizar o movimento organizado dos trabalhadores, o governo sabe que não pode maquiar para sempre as péssimas condições de trabalho, os arbítrios e desvios operados com o fundo público destinado à educação, e o descaso perante as legítimas demandas dos educadores.
Todos aqueles que possuem vivência diária na escola pública têm conhecimento daquela realidade mencionada acima: os baixos salários, que obrigam professores a trabalhar em várias escolas, em até três turnos, prejudicando a formulação e objetivação da complexa tarefa de ensino-aprendizagem; tal precariedade imposta pela condição salarial é mais grave quando se olha para o conjunto de funcionários de apoio, que recebem menos que o salário-mínimo para sustentarem suas famílias. As salas quentes e superlotadas de alunos, com demandas pedagógicas das mais diversas, dificultam o acompanhamento técnico do corpo docente; a falta de pessoal de apoio nas escolas sobrecarrega por demasia os trabalhadores, perfazendo um círculo vicioso de atendimento precário a alunos e comunidade escolar; as condições desumanas de trabalho a que são submetidas às cozinheiras, que estão literalmente morrendo durante o exercício da profissão. É praxe que os professores tirem do próprio bolso recursos para compra de materiais como giz, pilot, cola, fotocópias e até livros didáticos e paradidáticos; muitas escolas, ainda, apresentam graves problemas de espaço e estrutura. Também não é difícil encontrar escolas com falta de professor em diversas disciplinas.
As secretarias de educação buscam mascarar essas evidências através de medidas meramente paliativas, como a contratação de projetos pedagógicos que vêm e vão, ao sabor das trocas de poder público que ocorrem a cada eleição. Muitos desses projetos têm por objetivo transferir as verbas da educação para empresas de aliados políticos, deixando em segundo plano a superação das dificuldades de escolarização de crianças e jovens. Dentro de uma perspectiva histórica, podemos afirmar que a atuação do poder público em educação é marcada pelo descaso com as demandas da comunidade escolar, pela política do “menos pior”, pelo afrontamento da autonomia pedagógica de escolas e professores, pelo corte de direitos, pelo arrocho salarial e pelo desvio de verbas. Em suma, a atuação do governo nega, diariamente, a cidadania escolar a milhares de crianças e jovens, o que não é nada mais do que negar, de uma forma perversa, o direito à escola.
Somente o movimento organizado dos profissionais de educação é capaz de afrontar essas condições. E é nesse sentido que a greve torna-se, por via das circunstâncias, um instrumento central da atividade pedagógica dos educadores, pois permite que estes compreendam, entre si, os problemas comuns que afetam o dia-a-dia da categoria, bem como possibilita que pais e alunos percebam que a luta dos trabalhadores é um grito justo e necessário contra as péssimas condições de trabalho. Assim, a greve constitui-se em uma aula riquíssima de cidadania dentro de uma perspectiva crítica – o que, além do mais, é dever formativo da escola. Afinal, não podemos esquecer que os alunos da escola pública se tornarão trabalhadores e, por conta disso, devem aprender a importância de lutar por seus direitos dentro de uma sociedade que se quer radicalmente democrática.
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